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Descontrole financeiro, depressão e ansiedade

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Dificuldade para pagar uma prestação aqui, parcelamento do cartão de crédito ali, compras exageradas acolá e o permanente desconhecimento da relação entre ganhos e gastos. Essa combinação é a chave de entrada para o descontrole financeiro que, além de colocar suas contas em desequilíbrio contínuo (por maior que seja sua renda!), pode ter consequências graves sobre sua saúde mental.

Segundo estudos divulgados em 2022 pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), 8 em cada 10 inadimplentes sofrem impactos emocionais negativos por causa de suas dívidas. Outra pesquisa, realizada pela fintech Onze, revelou que 74% dos brasileiros apontam o dinheiro como sua maior fonte de angústia. O número é superior à preocupação com a família (60%), a saúde (57%) e o trabalho (44%).

Cerca de 30% dos entrevistados afirmam que a apreensão contínua com as finanças afeta outras áreas de suas vidas. Os principais efeitos no ambiente de trabalho são: perda de sono (59,1%), de foco (54,8%), mau humor e impaciência com os colegas (20,3%) e necessidade de resolver pendências ao longo do dia (20%).

No convívio social, os danos também costumam ser profundos. Entre eles, os mais frequentes são: pouca energia para aproveitar o tempo com entes queridos (62,3%), mau humor e falta de paciência com a família (47,9%) e desentendimentos com o parceiro (32,6%). Por fim, no que diz respeito à saúde mental, os relatos envolvem sensação de ansiedade (71,6%), desânimo (58,3%), irritabilidade (46,7%) e medo do futuro (45,9%).

Diante de dados tão contundentes, resolvemos conversar com Edna Audi, pedagoga, psicóloga clínica, especialista na abordagem Comportamental Cognitiva, e diretora técnica da Auster, empresa que atua no mundo corporativo com foco em gestão de saúde mental.

Edna Audi, pedagoga e psicóloga clínica, especialista na abordagem Comportamental Cognitiva.

No dia a dia da Auster, vocês verificam essa realidade apontada pelas pesquisas?

Sim. Nossos dados indicam um incremento da preocupação com questões financeiras que se enquadra hoje entre os 5 principais motivos de estresse emocional. Os outros 4 são: relacionamentos (familiares e profissionais), saúde, filhos e mudanças no trabalho (com temas como atuação online/presencial e modificações em processos, áreas e times).

Quais as consequências desse estresse financeiro?

Elas podem ser amplas e se espalham por diversos aspectos da vida. Os comprometimentos abrangem saúde física, vida sexual, distúrbios do sono, aumento dos conflitos familiares, depressão, estresse e somatização. O pior é que todos se afetam entre si como a brincadeira do dominó em que você derruba uma peça e as demais vão caindo.

Um grande destaque é o abalo na vida em família porque os limites com os gastos do dia a dia, que a reorganização financeira exige, nem sempre (ou quase nunca) são tratados de modo claro e construtivo, sobretudo com os filhos. Quando temos de “fechar a torneira” para os gastos, precisamos repactuar regras e iniciamos um processo de enxugamento de despesas que pode ampliar o estresse da falta de dinheiro. Ou seja, tudo se entrelaça e se embola.

Como ele se manifesta no comportamento e no bem-estar das pessoas?

Ele se manifesta na esfera emocional, ampliando a ansiedade e/ou a depressão, por exemplo, que podem desestruturar os relacionamentos, o equilíbrio e os projetos de vida.

Vale lembrar que o desequilíbrio financeiro tem menos a ver com o quanto se ganha e mais com como se gasta. A bola de neve dos gastos excessivos vai aumentado até chegar a uma situação de desespero e de falta de perspectiva, tipo não enxergar a luz no fim do túnel.

Como lidar com esses impactos caso a questão financeira não possa ser facilmente resolvida?

Desenvolvendo estratégias de médio e longo prazo que tenham como foco o planejamento do orçamento doméstico, a ampliação do diálogo familiar e a conscientização dos envolvidos para o enfrentamento de um período de restrições.

É essencial estar atento para a técnica de questionamento dos 4 Ps quando se vai às compras: Preciso? Posso? Planos de futuro estão sendo levados em conta? Prioridade? Nosso consumo deve passar por essa análise criteriosa que nos ajuda a diferenciar desejos e necessidades reais frente ao impulso de comprar que todos nós já sentimos e sabemos que nem sempre é muito racional.

Qual a diferença entre consumo e consumismo?

A diferença está no critério para se tomar a decisão de consumir. Se o critério é necessidade estamos diante de um ato de consumo, caso contrário é consumismo. A linha de raciocínio do gastador segue muito mais pela sedução das ofertas, do parcelamento e da propaganda do que pelo questionamento dos 4 Ps que citei. Trazer a decisão de compra para uma avaliação concreta desfaz um pouco essa ilusão do consumismo como fonte de prazer que, vale destacar, é apenas momentânea frente aos problemas que os excessos podem trazer.

Como evitar o consumismo?

Fortalecendo o autocontrole, a conscientização a respeito de suas consequências no médio e no longo prazo e dos impactos que esse consumo desmedido tem sobre o meio ambiente e os recursos do planeta. Isso tudo a partir de uma filosofia de vida que priorize o “ser” e não o “ter”.

O que o excesso de gastos pode estar sinalizando do ponto de vista psicológico?

Pode indicar compulsão e ansiedade, necessidade de status e aprovação, carência, problemas de autoimagem e autoestima, dificuldade em dizer não e estabelecer limites. O consumismo é parte de um descontrole emocional que faz com que a pessoa não tenha um freio interior, adquirido com a maturidade e o exercício da racionalidade. É, portanto, um padrão infantil.

Um bom indicador do consumismo é o excesso de supérfluos, cartões de crédito no vermelho e dificuldade de tolerar frustrações.

Há alguma particularidade no endividamento de quem está na ativa e de quem é aposentado?

A condição do aposentado, quando há uma redução da renda, pode demandar um período de adaptação em função de circunstâncias como incremento de despesas médicas, oferta fácil de crédito, limitação para gerar novos recursos e eventual necessidade de ajudar a família financeiramente. É uma fase de ajuste e aprendizagem que comporta alguns desequilíbrios a serem corrigidos ao longo do tempo.

Há também um aspecto que exige muito cuidado: a compra exagerada de presentes para filhos e netos, por exemplo, como forma de conquistar atenção e afeto. É uma armadilha psíquica que requer entendimento e cautela para evitar o descontrole financeiro em um momento de vida no qual grandes perdas podem ter consequências mais difíceis de contornar.

outubro de 2023