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É possível ensinar planejamento financeiro para as crianças?

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A história do envolvimento de Maria Gurgel com a educação financeira de crianças é daquelas que começam pelo fim. Como presidente de um grande fundo de pensão, com mais de 120 mil participantes, Maria acompanhou vários atendimentos feitos pelos consultores da entidade. “Certa vez, presenciei uma situação que mudou a minha vida. Ao solicitar o benefício de aposentadoria, um participante percebeu que não tinha poupado o suficiente para poder parar de trabalhar com a qualidade de vida que esperava. Foi um momento muito difícil para ele, mas já era tarde demais para reverter o que havia feito (ou deixado de fazer)! Criamos, então, a área de educação financeira no fundo, passamos a ministrar palestras e escrevi diversos artigos… tudo que estivesse ao alcance para ampliar essa conscientização”, conta.

Executiva com uma carreira de 35 anos e mãe de 3 filhos, em 2020, Maria resolveu se desligar do mundo corporativo e passou por um período sabático. Foi quando ela se reconectou com 3 de suas paixões: literatura, crianças e educação. Assim, nasceu o Re$guarde, um projeto de educação financeira e previdenciária voltado para o público infantil – ou seja, para incentivar desde cedo uma mentalidade poupadora e planejadora.

No Mês das Crianças, nada melhor do que conversar com Maria Gurgel sobre educação financeira para crianças. Vamos lá?

Maria Gurgel, fundadora do projeto Re$guarde

Como nasceu o Re$guarde?

Oficialmente, o projeto foi criado em março de 2022. Mas, olhando retrospectivamente, acho que ele nasceu no dia daquele atendimento que acompanhei. É importante falar com os adultos, mas é melhor ainda começar bem cedo. Quando resolvi sair do universo corporativo, decidi pesquisar o que havia de literatura infantil temática. Vi que temos várias opções para tratar de bullying, raça, gênero, sentimentos, mas quase nada sobre educação financeira. Aí escrevi o meu primeiro livro, “A bicicleta”, que conta a história de uma menina que queria comprar uma bicicleta para participar de uma competição, mas não tinha dinheiro. Acompanhamos, então, a jornada de Nina para conseguir capital suficiente para realizar o seu sonho.  Com o sucesso desse lançamento, me animei para continuar e hoje já temos 7 livros e um oitavo está a caminho, voltado para adolescentes e investimentos.

Desde sua criação, o que mudou no projeto?

Inicialmente, a ideia era trabalhar com as escolas particulares aqui do Rio de Janeiro, onde moro. Mas isso mudou diante da realidade de que mais de 80% das crianças brasileiras estão matriculadas em escolas públicas.

Hoje, oferecemos o Re$guarde para empresas que custeiam ações na rede pública. Levamos nosso acervo que é doado para a biblioteca, fazemos contação de histórias para as crianças e palestras para os professores e pais. Estamos desenvolvendo materiais didáticos para ajudar os professores a multiplicar os conteúdos abordados.

Temos 3 eixos de atuação: essas parcerias com as empresas, a venda direta dos livros físicos pelo site e digitais via Amazon e a realização de palestras – “Poupar, longevidade e construção de patrimônio” e “A jornada da educação financeira infantil”. Como priorizamos o impacto social das nossas ações, doamos 20% dos livros vendidos para escolas públicas e Secretarias de Educação e investimos 20% da nossa receita líquida em projetos sociais voltados à melhoria da qualidade da educação pública.

Do que tratam os livros?

Por enquanto, temos 6 livros para crianças de 4 a 8 anos e 1 para a faixa etária de 8 a 12 anos. Todos já foram traduzidos para o inglês porque acreditamos que a educação financeira deve ocupar todos os espaços, podendo ser duplamente útil nesse caso ao contribuir também com o aprendizado da língua estrangeira.

Um aspecto interessante é que, antes de escrever os livros, eu estudei a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), na qual se baseia a Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF). Assim, vi o que era demandado dentro da estratégia para sua aplicação nas escolas e selecionei algumas temáticas para cada livro.

Quisemos unir boas histórias, bem ilustradas e gostosas de ler, com os conteúdos definidos como prioritários para cada faixa etária. São temas como persistência, gastar menos, ter objetivos, planejamento, doação, consumo e meio ambiente, entre outros. No final de todos os livros, colocamos perguntas para que os pais e os professores possam ajudar a conectar a história com a realidade de cada criança.

Estamos também trabalhando nesse momento na transformação de alguns dos livros em games virtuais que serão disponibilizados para as escolas. O primeiro que ficará pronto é “Seis amigos e uma incrível aventura”.

Alguns dos livros publicados pela Maria Gurgel

Falar de dinheiro ainda é um tabu no Brasil. Você já sentiu resistência em relação ao seu projeto?

Com certeza, é um grande tabu não apenas aqui, mas em diversos países. Isso nos levou a uma gravíssima situação de endividamento, com estatísticas que indicam, por exemplo, que 78 em cada 100 brasileiros terminaram 2022 endividados. Estamos entre as nações com menor nível de poupança do mundo.

Essa falta total de planejamento financeiro e consciência previdenciária faz com que seja necessário, para muitos, estender a vida laboral por falta de dinheiro para viver na aposentadoria. Isso advém de uma questão cultural e histórica: por muito tempo, os assuntos financeiros eram particulares e restritos ao mundo dos adultos.

Os pais poderiam abordar esse tema com os filhos de forma mais positiva e produtiva. O dinheiro só aparece nas conversas quando ele é um problema. Esse é um dos maiores erros que podemos fazer na formação da mentalidade poupadora das crianças. Por isso, eu quis escrever essa série de livros que pode servir como ferramenta para tornar o aprendizado mais lúdico e leve. A aceitação tem sido bastante positiva e acho que vamos contribuir para desmistificar alguns desses temas.

Como começar a educação financeira com os pequenos?

Devemos tratar do assunto de forma compatível com cada faixa etária para que as crianças desenvolvam uma compreensão saudável sobre dinheiro, orçamento, economia e poupança. Sempre digo que a jornada do poupar é muito mais comportamental do que financeira.

A mentalidade poupadora capacita as crianças a entender que a vida é feita de escolhas, que é preciso aprender a priorizar, que devemos guardar sempre uma parte de tudo que ganhamos. Por mais rudimentar que isso seja com os pequenos, o exercício de ter metas é fundamental.

Precisamos ensinar a diferença entre querer e precisar que é uma base indispensável para o que vem depois. Quando começar? A partir do primeiro dia em que seu filho diz “compra pra mim”.  Com esses princípios, vamos cultivando bons hábitos desde cedo.

Como fazer isso na prática?

Peça para a criança fazer uma lista do que ela quer e do que precisa. Se ainda não for alfabetizada, escreva para ela. Vai vir quase tudo em uma só coluna já que a criança acha que precisa de tudo que quer. Aí você vai fazendo perguntas e ajudando a colocar as necessidades e os desejos nas colunas certas.

Podemos, então, escolher um dos itens (é bom começar pelos mais baratos) e fazer um planejamento para que ela consiga comprá-lo: poupando sua mesada, vendendo um item que não usa mais (um carrinho, uma boneca, um jogo de videogame) ou executando alguns serviços domésticos que não façam parte das suas obrigações (dar banho no cachorro ou lavar o carro, por exemplo). Desenvolver esse senso de planejamento/esforço e meta/conquista em relação ao dinheiro é um exercício essencial que vai reverberar para sempre.

O que ensinar em cada idade?

A diferenciação de necessidades e desejos vale para todas as idades e deve voltar sempre, inclusive para muitos adultos que se atrapalham nesse quesito. De modo geral, podemos trabalhar os seguintes aspectos em cada faixa etária:

🠖  de 3 a 6 anos – como identificar valores, moedas e notas; a importância de economizar uma parte do dinheiro que recebe.

🠖  de 7 a 10 anos – introduzir a noção de orçamento, como planejar os gastos, as diferentes formas de pagamento (dinheiro, cartão de débito, de crédito e pix), como pesquisar e comparar preços.

🠖  de 11 a 14 anos – planejamento financeiro de curto prazo, investimentos (o básico, é claro), conceito de empreendedorismo, filantropia.

🠖  de 15 a 18 anos – os mesmos temas da faixa anterior, com maior complexidade e prazos mais longos, questões de crédito, endividamento e controle financeiro.

O mais importante, porém, é lembrar que ensinamos muito mais pelo exemplo do que pelo discurso. Portanto, temos que praticar o que falamos para as crianças.

De que forma isso pode se refletir no futuro?

Adultos que desenvolvem uma mentalidade poupadora e compreendem desde pequenos o valor de operar com planos e metas têm mais chances de, entre outros aspectos:

🠖 Evitar dívidas desnecessárias

🠖 Entender como funcionam os investimentos e seus diferentes prazos: curto, médio e longo

🠖 Doar para quem mais precisa

🠖 Compreender os impactos de seu consumo sobre o meio ambiente

🠖 Realizar seus sonhos envolvendo moradia, estudos, carreira e lazer

🠖 Influenciar positivamente as pessoas à sua volta

🠖 Chegar à aposentadoria com um patrimônio que lhes permita ter uma boa qualidade de vida

Ou seja, vale muito investir nessas jornadas de aprendizagem, primeiro a do poupar e depois a do investir!

No Instagram do projeto Re$guarde (@resguarde.educacao), você encontra uma série de temas e sugestões de iniciativas para formar a mentalidade poupadora nas crianças.

 Clique aqui para saber mais sobre o projeto Re$guarde.

outubro de 2023