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Como e por que ensinar as crianças a poupar

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Ser capaz de gastar dentro de limites, planejar, economizar e conquistar seus objetivos é um aprendizado que deve começar cedo. Pode ser se controlando diante de um simples pacote de bolacha ou gerindo bem o valor da mesada. Pensar em objetivos para guardar o dinheiro – aquela boneca nova? a camiseta do time? – é uma excelente forma de inspirar crianças e jovens a ter disciplina e serem recompensados por isso. Na entrevista a seguir, a educadora, escritora e consultora Andy de Santis fala sobre como pais e familiares podem ajudar, de forma decisiva, nesse aprendizado:

Como você avalia a educação financeira do Brasileiro?

Em vários estudos internacionais, o brasileiro aparece como tendo um nível de alfabetização financeira muito baixo: 3 em cada 5 brasileiros têm dificuldade para lidar com suas finanças. Isso está relacionado também a um letramento matemático deficiente, o que impacta a compreensão sobre juros, taxas e porcentagens, entre outros, que são essenciais quando se fala em gestão de dinheiro. A essa deficiência, soma-se o imediatismo na tomada de decisão, com uma população que prefere desfrutar o aqui e agora, sem se preocupar muito com o amanhã.
E há ainda um terceiro aspecto que atrapalha bastante: o brasileiro desconfia das instituições. Esse comportamento é fruto de uma série de “surpresas” na economia – como congelamento de salários, confisco de investimentos e altos níveis de inflação – e resulta, por exemplo, em pouca participação em investimentos diferenciados, mesmo entre quem tem muito dinheiro. A imensa maioria ainda investe na poupança por total desconhecimento (e vontade de conhecer) outras opções.

Diante desse cenário, como preparar as crianças e os jovens para fazer boas escolhas financeiras?

Já falei com gente de todos os cantos do país, com mulheres do Bolsa Família, aposentados de baixa renda e pessoas de classe média alta. Essa experiência demonstrou, na prática, que educação financeira não é questão da renda, mas vem sobretudo da influência da família, tanto do ponto de vista positivo quanto negativo. A forma como pais, avós e tios lidam com o dinheiro se reflete muito no comportamento da criança.

Como influenciar de modo positivo?

Tudo começa por saber dizer não, porque a vida toda teremos que lidar com limites. Se eu dou dinheiro para o meu filho tomar lanche na escola a semana inteira e, na quarta-feira, o dinheiro já acabou, é hora de ter uma boa conversa e explicar que ele não vai receber mais. Terá, por exemplo, que levar o lanche de casa.
O ideal é pedir para a criança pesquisar os preços na cantina da escola e aí decidir juntos que tipo de lanche ela pode comprar e qual a quantia necessária para uma semana. Assim, ela aprende a gerir seu dinheiro. Porém, veja bem: é um processo de aprendizado. Caso ela erre, tem que voltar, explicar e corrigir para que possa entender.
Se eu simplesmente completo o valor quando ela se excede nos gastos, estou transmitindo uma mensagem muito ruim, de falta de limites. Por outro lado, se ela economizar, desde que isso não afete a qualidade da sua alimentação, é correto que fique com o que sobra para usar como quiser (vale aqui também, é claro, uma boa orientação). Mas isso só pode acontecer a partir dos 6 ou 7 anos, quando a criança está alfabetizada e sabe fazer cálculos matemáticos básicos.

E antes disso?

Com crianças menores, podemos trabalhar com os conceitos de racionar e reservar. Pode-se, por exemplo, dar uma quantidade de biscoitos suficiente para dois dias e explicar que se ela comer tudo hoje, não terá mais no dia seguinte. Isso ensina limite e autocontrole. No entanto, reforço que tudo deve ser explicado, combinado e sobretudo cumprido! Veja que a lógica é a mesma do dinheiro para o lanche na escola, só que adaptado a uma faixa etária anterior.
A criança tem que aprender a gerenciar um recurso limitado – seja ele dinheiro, água, luz… por isso, gosto de falar de educação econômica e não apenas financeira que é um aspecto dessa formação. Você pode tornar a criança a “guardiã da energia” dentro de casa, por exemplo, dando-lhe um papel ativo na redução do consumo. Primeiro é preciso explicar que a energia é paga, que tem uma conta mensal e que talvez possamos economizar se ela nos ajudar a fazer um uso mais racional desse recurso, fiscalizando desperdícios como deixar a luz acesa ou a televisão ligada em um cômodo sem ninguém. Assim, ela começa a entender como nossos comportamentos influenciam nos gastos e, nesse caso, até no meio ambiente. Se houver uma redução na conta, ela pode até ser “premiada” de forma simbólica por sua atitude poupadora.

Qual é a participação da escola nessa conquista?

Sou autora de livros didáticos, no Brasil e na Espanha, que procuram ensinar esses e outros conceitos para as crianças. Essa orientação começa fazendo com que ela perceba a presença do dinheiro em seu dia a dia. É importante entender que cada vez que ela desperdiça água, a conta vem mais alta, o mesmo vale para a luz e os alimentos e passa pelo cuidado com as roupas, o material escolar e os brinquedos. Buscamos construir atividades para que ela compreenda o custo do desperdício, em todos os níveis.

E possível desenvolver esse autocontrole na criança?

Com certeza. Uma das atividades que nós temos nos livros, e pode começar bem cedo, é ajudar a fazer um bolo. Por quê? Porque ele ensina a esperar. Poupar é a mesma coisa: você quer algo agora, mas tem que planejar e preparar os “ingredientes” (no caso, os recursos) para alcançar o que deseja. São conceitos que vão se sofisticando com o tempo, porém a semente já está lançada.

Onde entra a mesada?

É bom começar com uma semanada, pois um mês é muito tempo para crianças menores. A mesada deve entrar aos 10, 11 anos. Mas atenção: é necessário combinar para que serve esse dinheiro. Se não, o cofrinho enche e os pais dão tudo o que a criança quer sem que ela mexa nas suas economias. É uma situação artificial que não existe no mundo adulto e ela precisa ser preparada para esse mundo.
Então, ela tem que participar com seu dinheiro para comprar o que deseja, mesmo que seja com uma parcela do valor. E ela pode escolher entre realmente ter aquilo ou continuar poupando para algo que queira mais.
Poupar por poupar é muito difícil, sem graça e trabalhoso. É preciso uma motivação para ajudá-la a ter um propósito para suas economias. O dinheiro da semanada (e depois da mesada) pode ser utilizado, por exemplo, para o lanche da escola e um “a mais” para ela guardar e usar em uma atividade de lazer, uma compra menor (um gibi, figurinhas, pulseiras…) ou para poupar e adquirir algo maior. Mas repito: são processos de aprendizado, não é só dar o dinheiro e virar as costas. É essencial combinar, acompanhar, voltar, ensinar, programar, rever o planejamento… É chato? Talvez, porém o resultado compensa!
Por isso, toda família precisa estar envolvida. Não adianta os pais estarem empenhados nesse processo e os avós ou tios colocarem tudo a perder. É importante respeitar e contribuir para esse objetivo maior.

O que mais pode ajudar?

As famílias precisam perder o medo de falar de dinheiro. Evita-se tanto esse assunto que ele acaba aparecendo somente quando há um problema. Mas é legal ter o hábito de conversar sobre gastos, avaliar juntos como é possível economizar, discutir a programação das férias e como se organizar para ter escolhas que cabem no orçamento da família, comentar os impactos de ir a restaurantes ou ao cinema com muita frequência, pensar em opções de lazer gratuitas…
Outra boa dica é fazer a lista de supermercado com os filhos, levá-los junto para as compras, mostrar a diferença de preços, o limite em relação aos “supérfluos” e como gerir custo x benefício. As crianças adoram participar, se envolver e dar ideias. Dessa forma, elas vão aprender muito sobre gestão financeira de forma natural, transparente e didática.
abril de 2021