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O que esperar do mundo (e do Brasil) nos próximos anos

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Maílson da Nóbrega

Maílson da Nóbrega é economista e sócio da Tendências Consultoria, foi ministro da Fazenda de 1988 a 1990, após uma longa carreira no Banco do Brasil e no setor público. Participa de Conselhos de Administração de diversas empresas, foi eleito Economista do Ano de 2013 pela Ordem dos Economistas do Brasil, é colunista da revista Veja e escreveu seis livros. Mas tudo isso é pouco para falar de sua experiência na análise de cenários futuros para o mundo e, particularmente, o Brasil.

Com um arsenal impressionante de informações, guardadas na mente sem consulta a qualquer papel ou arquivo, Maílson é um dos maiores experts do país na avaliação dos caminhos e descaminhos que temos pela frente. Foi, sem dúvida, um privilégio para o nosso Blog conversar com ele sobre os cenários que nos esperam nos próximos anos. Compartilhamos agora com vocês alguns dos principais tópicos dessa entrevista:

Juros, inflação e crescimento

“A China deve passar por um processo de desaceleração muito forte de sua economia, podendo até perder a oportunidade de se tornar a grande potência mundial – ou seja, ultrapassar definitivamente os Estados Unidos. Esse fato tem efeito desinflacionário na economia mundial porque significa menor demanda de bens e serviços pelos chineses.

Ao mesmo tempo, temos o efeito inflacionário que pode vir das nações ricas que estão com déficits cada vez mais elevados. Tanto os Estados Unidos como a Europa têm uma relação dívida x PIB crescente.

A tendência no cenário internacional é de maior inflação, maiores taxas de juros e menor crescimento. As projeções apontam que o crescimento mundial nos próximos 10 anos deve ser da ordem de 2,8% anuais. Vale lembrar que esse crescimento atingiu a marca de 5% há 15, 20 anos.”

Mudanças na cadeia de produção global

“Estamos presenciando outro fenômeno muito interessante que diz respeito à reconfiguração das cadeias mundiais de suprimentos. Temos, porém, que recuar um pouco no tempo para analisar essa questão. As atividades das empresas multinacionais passaram por grandes transformações no início dos anos 90, incentivadas sobretudo pelo fim da Guerra Fria e pelas reformas na China que abriram para o mundo uma força de trabalho gigantesca, muito barata e razoavelmente bem preparada.

Associados à tecnologia digital, esses fatores levaram à chamada gestão de cadeias longas (ou seja, a produção mais distante dos locais de consumo), com a migração da produção das indústrias norte-americanas e europeias rumo à Ásia, com destaque para a China que entrou para a Organização Mundial do Comércio, firmando-se como um enorme polo produtor, o que gerou um aumento substancial de eficiência na economia mundial.

A crise sanitária decorrente da pandemia de covid-19, aliada à forte elevação do custo mundial dos fretes, trouxe sérias preocupações sobre os riscos da dependência de cadeias produtivas longas, principalmente no caso de vacinas, medicamentos e até de bens de consumo. Somado a essas questões, houve um aumento da preocupação com temas geopolíticos na dinâmica entre os países.

Desde então, novas fórmulas estão sendo pensadas, basicamente em quatro frentes: reshoring (retorno das indústrias para seus países de origem, reforçado inclusive pelo aumento do protecionismo que também se nota entre os países ricos), nearshoring (contratar parceiros ou fornecedores em países mais próximos, encurtando a cadeia), friendshoring (estabelecer a produção em países “amigos”, aliados geopolíticos) e powershoring (instalação das indústrias em locais com energia limpa, abundante e renovável). Sobretudo nesse último aspecto, o potencial do Brasil é imenso. No entanto, é importante ressaltar que essa reconfiguração da cadeia de suprimentos deve ter efeitos negativos para a economia mundial, visto que deverá haver perda de eficiência, com aumento nos custos de produção e pressão inflacionária, pelo menos em um primeiro momento.”

Uma grande oportunidade

“O powershoring traz, sem dúvida, uma excelente perspectiva para o Brasil, pois contamos com as três condições essenciais. Nossa matriz energética já ultrapassa a marca de 80% de fontes limpas (hidroelétrica, fotovoltaica e eólica). Temos abundância de fontes, com destaque para a alta capacidade na exploração de energia eólica tanto onshore (em terra) quanto offshore (em alto-mar). No terceiro aspecto, temos potencial para fornecer energia barata. O custo que pagamos hoje é elevado não devido à disponibilidade e sim à quantidade de subsídios que infestam a conta de luz no Brasil e que precisam ser revistos.

A boa notícia é que já estamos recebendo investimentos, principalmente da Europa, para regiões consideradas promissoras em termos energéticos. Por outro lado, à medida que a tecnologia avança, ela se torna mais consumidora de energia: sabemos que quanto mais sofisticada a tecnologia, mais energia ela utiliza. O Brasil, portanto, tende a se beneficiar amplamente, com a possibilidade de se tornar uma potência mundial nesse campo.”

Um grande problema

“Qualquer boa perspectiva para o Brasil no longo prazo passa pela superação da questão fiscal para que a dívida pública não atinja patamares desastrosos. A dificuldade começa pelo fato de que o orçamento do governo é altamente comprometido e com rigidez extrema no direcionamento dos gastos, conforme determina a legislação. Basta dizer que 98% do gasto primário do governo federal para 2024 é fixo e inflexível. Deve ser destinado às chamadas despesas obrigatórias (com destaque para saúde, educação, funcionalismo e previdência). Ou seja, somente 2% dos recursos podem ir para ciência, tecnologia, cultura e todo o resto!

Não é possível cortar gastos públicos de forma relevante sem atacar esse aspecto. Não adianta diminuir o cafezinho nas repartições, fazer os aviões da FAB voarem menos ou reduzir as manobras com os navios da Marinha. Com certeza, serve de exemplo, mas é irrelevante. A realidade é que todas essas vinculações de recursos e outros gastos obrigatórios, como os de pessoal e previdência, fazem do Brasil o país com o orçamento mais rígido do mundo.

A questão fiscal é nosso calcanhar de Aquiles para os próximos anos. Temos que flexibilizar essa obrigatoriedade orçamentária para poder premiar a eficiência e gastar melhor e menos a fim de ampliar os investimentos em outras frentes. Um estudo recente do Fundo Monetário Internacional revelou que o Brasil, em termos proporcionais, é o terceiro país do mundo em gastos sociais. Gastamos proporcionalmente mais do que a Suécia, a Noruega, a Finlândia e a Dinamarca. Outro exemplo: a proporção de despesas com educação x PIB é maior no Brasil do que nos países da OCDE. Ou seja, temos que gastar com mais qualidade e não simplesmente porque há uma obrigatoriedade.”

Podemos ser otimistas

“Todas as condições apontam para um ambiente, tanto do ponto de vista mundial quanto doméstico, de juros crescentes, inflação elevada e câmbio mais alto. Sinceramente, acho que o Brasil está hoje mais preparado para enfrentar o novo ciclo, salvo a questão fiscal, do que em qualquer outra época. A evolução do país nos últimos 40 anos é uma das maiores de nossa história sob diversos ângulos.

Temos uma democracia consolidada e superamos nossas duas maiores fontes de crises anteriores: a fragilidade do sistema financeiro e das contas externas. Temos atualmente um dos sistemas financeiros mais sólidos e bem regulados do mundo. Ao mesmo tempo, o Brasil se tornou um país estruturalmente superavitário em sua balança comercial graças ao agronegócio e ao setor mineral. Somos o maior exportador mundial de 8 produtos agrícolas – soja, açúcar, café, carne bovina, frango, suco de laranja (3/5 do consumo mundial é coberto pelo Brasil), celulose e milho – e estamos prestes a assumir a liderança na produção de algodão. Estamos também entre os primeiros em petróleo e diversos minérios.

Somando esses números às oportunidades que o powershoring pode nos trazer, vejo um cenário muito positivo desde que tenhamos líderes com coragem, força e apoio para enfrentar a questão fiscal.”

dezembro de 2023