É comum vivermos situações de ansiedade em nosso dia a dia. Diante de uma entrevista de emprego, uma apresentação em público, um primeiro encontro… mas há uma grande diferença entre um estado emocional normal desencadeado pelo enfrentamento de algo que nos desafia e um transtorno de ansiedade. O que muda? O simples fato de que a ansiedade extrema, patológica, pode nos impedir de ir à entrevista, à apresentação ou ao encontro ou até mesmo transformar essas experiências em um filme de terror.
Durante a pandemia de covid-19, muitas pessoas tiveram seu primeiro contato com a ansiedade extrema ou experienciaram uma crise de pânico. Para falar sobre esse tema, que merece ser tratado de forma clara e sem tabus, o Mirante entrevistou o dr. Márcio Bernik, médico psiquiatra e coordenador do programa de ansiedade do Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP):
A ansiedade e o medo, que são emoções relacionadas, fazem parte de nossos sistemas cerebrais de defesa. Ou seja, são respostas normais do organismo para preservá-lo e incluem aumento do estado de alerta, elevação da frequência cardíaca e aceleração da respiração, por exemplo. Como somos animais sociais, além de cuidar de nossa integridade física, esses sistemas também são ativados quando nos sentimos em risco em relação à nossa posição social, nossa saúde, nossos empregos e relações afetivas.
Não existe uma régua exata que determina essa passagem, mas, em geral, a ansiedade patológica pode ser identificada quando o indivíduo experimenta sofrimento (como nos casos de crise de pânico), prejuízo funcional (como na agorafobia que é o medo mórbido de grandes espaços ou lugares públicos) ou desvantagens competitivas (como na fobia social em que o sujeito é muito capaz profissionalmente, por exemplo, mas não avança na carreira porque não consegue se expor). Em geral, esses fatores levam as pessoas a procurar tratamento, seja por um movimento próprio ou via parentes e amigos, pois sentem desajustes e prejuízos na vida afetiva, pessoal ou profissional.
As fobias têm maior frequência, porém, como conseguem viver apesar de ter um quadro fóbico, muitas pessoas não procuram tratamento. Então, nos consultórios, temos mais crises de pânico, por ser uma manifestação aguda que causa desconforto e medo, e ansiedade generalizada, porque costuma levar a desgastes e sintomas depressivos.
As manifestações de ansiedade sempre têm componentes psíquicos – como preocupação, atenção extrema, aceleração mental, foco em perigo, medo de morrer, de se expor ou perder o controle – e uma série de sensações físicas autônomas como taquicardia, sudorese, falta de ar, tremores, náusea, calafrios e calores. Nas crises de pânico, por ocorrerem sem uma causa aparente, as pessoas focam muito nos aspectos físicos, inclusive com sensações semelhantes às de um ataque cardíaco.
Todo transtorno de ansiedade é uma fonte muito grande de estresse, o que pode aumentar o risco para doenças cardiovasculares. É interessante notar que a depressão, muitas vezes, é consequência de transtornos de ansiedade não tratados. Isso porque eles podem causar efeitos graves na qualidade de vida das pessoas com limitações nas relações sociais, na escola ou no trabalho, levando a quadros depressivos.
O aspecto positivo é que os transtornos de ansiedade têm boa resposta a tratamento. Sempre que possível, combinamos medicamentos específicos com técnicas de terapia comportamental que, de certo modo, buscam reensinar a pessoa a lidar com sua ansiedade.
A atividade física também está associada à melhora dos sintomas da ansiedade generalizada, pois o indivíduo fica menos tenso e se acostuma às sensações físicas da ansiedade que são similares às dos exercícios físicos intensos. A prática de mindfulness é outro bom recurso, pois um de seus princípios norteadores é que pensamentos não são fatos, são apenas pensamentos. Portanto, quando penso que vou fracassar na minha apresentação, isso é apenas um pensamento, não uma constatação de algo que está efetivamente ocorrendo ou ocorreu. Esses estados mentais acabam por perturbar a percepção da realidade e é vital aprender a lidar com eles.
Em primeiro lugar, não se deve ficar com medo e focar a atenção nos sintomas. Isso alimenta a espiral e faz com que eles, de fato, piorem, podendo culminar em uma crise de pânico. É muito importante controlar a respiração, inspirar e expirar lentamente, porque a hiperventilação também agrava os sintomas.
É bom levar a atenção para temas neutros, observar a paisagem, a textura dos móveis, as cores dos objetos em volta, os sons… retirando, enfim, a fixação nas sensações corporais e nos pensamentos. Deve-se observar o ambiente e não os pensamentos, as coisas e não as sensações.