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Presença negra na educação financeira: uma conquista essencial

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20 de novembro é o Dia da Consciência Negra, uma data que marca a importância das discussões e ações para combater o racismo e a desigualdade social no Brasil. Afinal, foram mais de 350 anos de uso de mão de obra escravizada no país, o último das Américas a abolir a escravatura!

 

Olhando o cenário atual, não há como negar: 133 anos depois da abolição, o Brasil continua sendo uma nação profundamente injusta. Dados do IBGE, a partir de informações do Banco Mundial, apontam que o país está entre os dez mais desiguais do mundo, sendo o único latino-americano na lista.

 

E a pobreza está diretamente associada à população negra. Segundo o Dieese, dos 8 milhões de pessoas que perderam o emprego entre o 1º e o 2º trimestre de 2020, 6,3 milhões eram negros e negras, o equivalente a 78% do total. Embora representem a maior parte da população (quase 56%) e da força de trabalho (55%), a desvantagem salarial é notável. No 2º trimestre de 2020, enquanto o rendimento médio de um homem branco era de R$ 3.484, o de um negro era de R$ 1.950. Entre as mulheres, a variação é de R$ 2.660 (brancas) e R$ 1.573 (negras).

 

Se a desigualdade não é de hoje (e só piorou com a pandemia!), a solução deve ser encontrada o mais depressa possível e passa por uma série de iniciativas. Entre elas, está a educação financeira dessa população para que possa estar apta a gerir melhor seu orçamento e se preparar para alcançar seus sonhos ou enfrentar momentos de turbulência.

 

É isso que vem fazendo uma série de jovens da comunidade negra que atuam hoje nessa frente, com blogs, podcasts, páginas no Instagram, posts no Twitter e artigos na mídia voltados à organização financeira. Um dos destaques desse time é a economista Gabriela Mendes Chaves (a Gabi), formada pela PUC-SP, mestre em Economia Política Mundial pela Faculdade Federal do ABC, fundadora e CEO da NoFront Empoderamento Financeiro, voltado para a comunidade negra e da periferia, colunista do UOL Economia e pesquisadora do Núcleo de Estudos Afroamericanos em Gênero, Raça e Trabalho. É com ela que fizemos a entrevista a seguir, uma conversa superinteressante e fundamental para 0 bem de todos:

 

O que o processo de abolição tem a ver com a manutenção dos negros até hoje em situação de pobreza e precariedade?

 

Na verdade, nosso processo de abolição foi inacabado, porque não garantiu nenhuma dignidade para que pessoas exploradas durante séculos se reconstruíssem. O Brasil nunca discutiu, por exemplo, políticas sérias de habitação e integração econômica para essa população. Além disso, adotamos a ideologia da democracia racial, de que o preconceito não existe no país, às custas de exclusão e silenciamento. Essa exclusão perdurou de tal forma que chegamos ao século 21 com um abismo gigantesco em termos de empregabilidade, renda, educação e oportunidades entre pessoas brancas e negras.

 

Mas isso impacta o país como um todo, visto que a maioria da população é negra󠆲?

 

Com certeza! O Brasil é uma das nações mais desiguais do mundo e precisamos compreender a relação entre essa desigualdade e o racismo estrutural. É bom destacar que essa situação não é ruim apenas para os negros, ela é danosa para a economia como um todo. Somos um país injusto e que nunca olha de frente para as motivações e consequências da desigualdade. Pensando apenas do ponto de vista econômico, ela já é terrível, pois impede a criação de condições mínimas de bem-estar e consumo e, portanto, a movimentação dos diferentes setores do mercado. Isso sem contar, é claro, os imensos impactos sociais dessa exclusão, com a vulnerabilidade absoluta da população negra.

 

 Você tocou em um conceito fundamental nessa discussão que é o de racismo estrutural. O que ele significa?

 

Ele parte do entendimento de que o racismo está inserido em todas as estruturas que conhecemos. Podemos identificá-lo na política, na economia, na cultura, na educação… é a falta da representatividade negra, de forma justa e proporcional, em todos esses espaços.  Não é algo que aparece aqui ou ali, ela é a marca da sociedade sobre a qual estamos assentados. Apesar da ampliação desse debate, ainda temos entraves muito grandes na forma como as questões raciais são abordadas em nosso país.

 

O que o racismo estrutural tem a ver com a educação financeira? 

 

A questão econômica é um pilar de manutenção do racismo estrutural. Ele se apresenta em todas as estatísticas que olhamos: no nível de renda, nas oportunidades de trabalho, no acesso ao crédito e ao sistema bancário, no crescimento profissional, na informalidade…

Estudando economia e entendendo a realidade de onde eu vim, percebi que as pessoas periféricas têm pouca opção de consumo fora de um ciclo terrível de endividamento. Essa parece ser a única maneira de obter praticamente tudo o que se precisa: o cartão de crédito, o cheque especial, o crediário são parte integrante desse sistema que se alimenta não apenas da falta de recursos dessa população, mas de sua falta de compreensão de questões básicas de gestão financeira. Por isso, em 2018, resolvi criar a NoFront.

 

O que é a NoFront?

 

Desde que entrei na faculdade de Economia (onde havia 3 negros em uma turma de 50 alunos) e comecei a trabalhar no mercado financeiro, eu pensava em como mudar a realidade na periferia. Eu saía do centro do poder econômico na Faria Lima ou na Paulista (avenidas de São Paulo) e quando voltava para casa, no Taboão da Serra, via gente totalmente endividada, fazendo operações financeiras surreais, sem nenhum fundamento econômico, sem noção, se financiando pelo cheque especial e pelo cartão de crédito, com a negativação do nome como parte da vida.

 

Minha resposta para isso foi criar a NoFront com o objetivo de democratizar o acesso à educação financeira sob uma perspectiva antirracista, buscando instrumentar e empoderar essas pessoas que são a base da sociedade, para que possam lidar melhor com seu dinheiro e, assim, transformar toda a cadeia.

 

Desenvolvemos uma metodologia própria, sem fórmulas difíceis ou complicadas, usando inclusive músicas do Racionais MC e outros grupos de rap que falam muito de tudo o que eu acredito.

 

E quais os resultados dessa iniciativa?

 

Nesses três anos, formamos mais de 5.000 pessoas no Brasil inteiro e até fora do país. Atingimos não apenas pessoas negras, mas a população periférica de forma geral.

Gente que estava com um nível de endividamento muito alto (já tivemos alunos com 70% do salário comprometido com dívidas) e que conseguiu reverter a situação, controlar o orçamento doméstico, investir em educação, fazer intercâmbio, pagar curso de inglês, comprar o que precisa de forma inteligente e equilibrada, pensando no longo prazo. É importante falar em metas para que as pessoas não se percam no dia a dia, num consumo muitas vezes sem sentido. Esse processo gera benefícios para toda a cadeia.

Quer saber mais sobre o trabalho da NoFront? Então, clique nos ícones abaixo:

Por que é importante falar em educação financeira para quem tem pouco dinheiro?

 

Em geral, achamos que economia só é assunto para quem tem muito dinheiro. Assim, subestimamos, por exemplo, o poder da dona de casa que é a pessoa que faz a gestão da economia doméstica. Ter mais dinheiro não significa necessariamente administrar melhor, significa apenas que você tem mais acesso ao capital.

Todo mundo deveria pensar, planejar, cortar, priorizar e organizar suas finanças desde pequeno. Temos que perder o medo de falar de dinheiro e entender que o planejamento econômico pode nos trazer mais estabilidade e tranquilidade para desconstruir o racismo estrutural que sufoca o Brasil como um todo. A educação financeira nos dá o poder de viver e não apenas sobreviver!

Gabriela Chaves, economista, fundadora e CEO da NoFront Empoderamento Financeiro, voltado para a comunidade negra e da periferia

Racismo estrutural

 

Reconhecer que o racismo estrutura a sociedade brasileira é um passo fundamental para interromper esse longo ciclo de desigualdades. O livro “Pequeno manual antirracista”, da filósofa e escritora Djamila Ribeiro, ajuda a entender essa questão (ou seja, como o racismo está presente entre nós, mesmo quando não nos damos conta disso) e como desarmar esse mecanismo em nosso entorno.

No vídeo abaixo, Djamila, que está na lista da BBC das 100 mulheres mais influentes e inspiradoras do mundo, explica como o racismo estrutural ocorre no dia a dia:

 

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Para falar com as crianças sobre o tema

Criada pelo Instituto Alana, a minissérie “Por uma Educação Antirracista” aborda o tema com as crianças. A cada episódio, uma família recebe um livro feito especialmente para a série com uma história lúdica e uma atividade pedagógica. Em meio às narrativas, há reflexões de nomes como Ailton Krenak e Nilma Lino Gomes, alguns dos especialistas que participam da produção. Os episódios foram ao ar pelo GNT e estão disponíveis no YouTube do canal.

 

Aqui na Visão Prev

Em agosto deste ano, a Visão Prev adotou ações de diversidade em sua cultura organizacional com o objetivo de criar um ambiente de trabalho ainda mais inclusivo e respeitoso. Para isso, foi criado um Comitê de Diversidade, sob direcionamento do presidente da entidade Marcelo Pezzutto. O Comitê possui 4 frentes de atuação: Gênero, LGBTQIA+, PCD (Pessoas com Deficiência) e Raça.

 

Cada frente de atuação tem um sponsor e colaboradores que se voluntariaram, por se identificar com a causa defendida, para pensar em iniciativas de conscientização e ações afirmativas de reflexão e combate ao preconceito, em todas as suas formas.

 

Segundo os membros do Comitê de Diversidade-Raça, “esse é um dos tópicos mais difíceis de discutir em nossa sociedade, em função da negação da existência do racismo. Historicamente, não nos sentimos à vontade para reconhecer as injustiças cometidas contra os negros de modo que, com frequência, nos silenciamos ou minimizamos a desigualdade. Nossa missão é auxiliar os colaboradores na desconstrução do racismo para que todos compreendam melhor as causas e consequências de tudo o que permeia o tema, criando um movimento consciente sobre a branquitude e lugares de privilégios simbólicos e concretos que contribuem com a reprodução da discriminação racial”.

 

novembro de 2021